Nossa
jornada, começa aqui! É preciso falar desta “geração raiz”: cascuda, temperada
com pimenta, forjada nos desafios, e independente, desde muito cedo.
É
preciso celebrar a história, deixando algum legado à geração futura, para que esta
tenha referências e, quem sabe, se salve da alienação.
Fomos
uma geração nascida em meados dos anos 60 e início dos anos 70.
Crescemos em meio a um cenário político conturbado, confuso demais para recém-nascidos.
Crescemos em meio a um cenário político conturbado, confuso demais para recém-nascidos.
Era
o final da ditadura, militarismo, censura e repressão (assim nos contavam).
Nada
que nos tenha afetado, pois nossa história foi escrita dentro de uma blindagem
criada por nossos pais. Só havia espaço para que nos desenvolvêssemos e
formássemos o nosso caráter: amando a vida, a família, os bichos, a natureza, temendo
a Deus, sendo honestos e irrepreensíveis, quanto possível fosse.
Enquanto
nossas primeiras memórias eram formadas, víamos nossos pais sacrificarem seus
dias em longas jornadas de trabalho, onde faziam o máximo para garantir que
tivéssemos o mínimo de dignidade. Eles conseguiram, eu garanto!
Éramos uma geração livre,
saudável, criativa, solidária, um tanto quanto ousada e rebelde para aqueles
dias, confesso, mas, acima de tudo, uma geração convicta de que a vida era
preciosa, linda demais, por isso, não poderia ser desperdiçada por nada. Enfim, era
preciso fazer valer a pena, e nós fizemos. Ah ... nós fizemos sim!!!!
Tínhamos
desafios diários. O perigo estava sempre por perto, mas nossa visão singela e
nossa mente preparada nos fizeram prevalecer: fortes, intactos.
Foi
assim, porque as dificuldades que passamos, formaram o nosso caráter. Vivemos algumas
privações, sim, mas elas nunca nos fizeram fraquejar, nunca dominaram nosso
coração. Sabíamos o que estava sendo trabalhado ali.
Tudo
em nossa vida foi convertido em virtudes que nos fizeram bem para a fase
adulta. Aprendemos a ser leves com nossas impossibilidades, ao menos, em alguns aspectos.
Assim, dividíamos a
mistura, muitas vezes só as verduras e legumes, ou apenas verduras, ou só os legumes;
compartilhávamos as roupas, as cobertas, os sapatos, o doce de boteco, o “filão
de pão”, o frango com macarrão e a limonada aos domingos, a santa Tubaína. Tudo
nos era comum.
Nossa
casa era muito simples. Lembro-me dos dias chuvosos, onde ficávamos espremidos nos
poucos espaços sem goteiras em nossa sala/dormitório. O sentimento se resumia
nas nossas gargalhadas, afinal, era um barato usar guarda-chuvas dentro de
casa!!
Durante
muito tempo, o chão foi de terra batida. Dava um trabalho imenso limpar, mas
ela ficava impecável, sem um cisco, diziam as meninas. Será?!
A
porta da nossa sala/dormitório tinha um “pega-ladrão”. Ele era a certeza de que
nada chegaria até nós, claro, se nos lembrássemos de fechá-lo ao final de cada
dia. Era uma trava simples, frágil, mas com superpoderes. Alguém duvida?
Foram
anos tomando banho de bacia ou de água fria no cano do banheiro que, sequer possuía
chuveiro. Sobrevivemos; criamos estofo e anticorpos. Que maravilha!!
Nossa
incrível TV, (preto e branco, é lógico!) tinha um estabilizador de energia, e
ainda, uma versão mais “moderna” com papel celofane para ficar colorida: ou tudo
verde, ou tudo rosa. Nunca, mais de uma cor.
Ganhamos músculos com ela por não sucumbirmos à sedução do famigerado controle remoto. Era na unha!!!
A
beleza, mantínhamos com nossa doce mãe. Ela cortava nossos cabelos com um tal
“cabecorte”; ele deixava nossos cabelos um verdadeiro esculacho. Esta realidade
ainda permanece em algumas cabeças, mas, vamos evitar os conflitos .. rs.
E
o nosso bairro, nossa rua? Meu Deus!!!
Nosso
bairro era tranquilo, mas a rua, para nós, era uma selva, e viver nela
demandava bravura. Éramos como leões, e cuidávamos muito um do outro. Sabíamos
os caminhos do perigo e sempre buscávamos nos distanciar deles, apesar da
natural curiosidade.
A
rua nos ensinou a lutar pela vida utilizando a inteligência, às vezes os
punhos, mas, sobretudo, a inteligência. Sobrevivemos. Alguns colegas, não
tiveram a mesma sorte.
Dentro
de casa tínhamos nossas tarefas, muitas tarefas; elas tinham vida própria,
multiplicavam-se.
Misericórdia!!!
Era
preciso manter tudo funcionando perfeitamente na ausência dos nossos pais. E
assim era. Tirávamos de letra ... ou não.
Nada
disso nos abalou. Tornamo-nos maduros precocemente, aprendemos, crescemos, sobrevivemos.
Somos
o que somos hoje, pois vivemos nossos primeiros dias de consciência, possuídos
por uma alegria contagiante e valores inegociáveis. Ouvimos o conselho de nossos
pais, avós, primos e amigos mais responsáveis. Nada foi desperdiçado. Tudo
contribuiu para que a nossa jornada fosse extremamente bem sucedida.
Não
é mesmo, Simone, Regiane e Rafael, meus irmãos amados?!
Mas
é preciso falar sobre a coxia, os bastidores. É preciso dar nomes, explicar
estratégias, demonstrar compromisso com a verdade histórica, romper com o
silêncio.
Afinal,
que geração foi essa?
To be continued ...